Freigeist

Sobre pessoas inadequadas ao trabalho. Espíritos livres, diz a palavra em alemão. Sobre mazelas de trabalho. De todo o tipo. Horários, colegas, tarefas, mentalidades, conversas, programinhas sociais, etc.. Para constatar que, nos dias atuais, independente do trabalho, estamos todos nivelados pelo estreitamento. E um lembrete: trabalho não é prazer, é meio de ganhar dinheiro. Realização vem no processo. E de vez em quando.

Friday, November 10, 2006

Ratatá

Já ouvira a palavra algumas poucas vezes, mas nunca tanto quanto no trabalho. Aqui é atividade de praxe. Tirar do seu dinheiro para dar presentes para os colegas. Colegas. Ponto. E para o chefe. Minha primeira experiência com o ratatá foi aliás com o chefe. Recém chegada na empresa, recebo aquela intimação disfarçada de gentileza para o aniversário do homem.

Caros colegas,
Como todos sabem o aniversário do ... está chegando. Resolvemos organizar uma pequena comemoração aqui, no dia 30 mesmo, terça-feira.
Dessa vez, como a festinha é para ele, não haverá subsidio da empresa, nós vamos bancar tudo. Se todo mundo entrar, serão R$ 23,50 p/ cada um, com direito a cerveja e cardápio árabe.
Todo mundo topa?
AH! MUITO IMPORTANTE: É SURPRESA, OK??

Bj

Com duas semanas de trabalho, eu não poderia bancar o tradicional papel de "otária cheia de personalidade que se fode no final" e dizer: "Não, não topo". A festinha foi somente ok, apesar do preço abusivo por pessoa. E na hora de dar o presente para o chefe, que lindo.... Aquele monte de mulheres entregando um quadro repleto de fotos de momentos de amizade e companheirismo na empresa e o CD e DVD do filme "Vinícius".

Passa um tempo. Tragédia pessoal com o faxineiro negro e homossexual, que todos acham uma comédia, é uma espécie de atração local, por seu jeito peculiar. Sua mãe foi atropelada e quebrou as duas pernas. Solução? Subsídio do chefe? Não! Ratatá dos empregados.

Galera, a mãe do ... foi atropelada e quebrou as duas pernas. Uma foi operada, a outra está engessada. Como não houve socorro na hora, ele se desesperou e a pegou no colo, o que fez com que ela também precisasse ser engessada na altura da barriga. O menino gastou todo o dinheiro do 13o e mais alguma coisa em táxi, remédios, além de ter tido que contratar uma pessoa para cuidar da mãe. Minha sugestão: doar uma quantia qualquer para dar uma força para ele. Quem puder ajudar, será super bem-vindo. Estou responsável por recolher o dinheiro. Queria ver se a gente conseguia entregar no fim do dia, para dar uma força.
Bjs

Novamente, como não contribuir? A contribuição poderia ser espontânea, mas a convocação via e-mail lhe dá um caráter imperativo e hipócrita.

Terceiro movimento: três funcionárias se formam. E o resto com isso? Bem, o resto tem que dar um presente de formatura, como não? Novamente chega o mail de convocação. Decido tomar uma atitude e me omito na resposta. Não as conheço direito e não me sinto na mínima obrigação de presenteá-las porque estão se formando. Mas o espírito do ratatá é perseverante e chega um novo aviso:

Povo que não responde e-mail!!!
Última chamada! Quem vai querer participar do ratátá para comprar os presentes das nossas queridas formandas? São 15 pratas.
Por favor respondam, mesmo que seja "NÃO, DE JEITO NENHUM".
Preciso fechar logo as contas para ver o que vamos comprar.
Ah! Vou recolher o dinheiro na sexta, dia em que recebemos.
Bjo

Quem vai responder "Não, de jeito nenhum!"? Este tipo de abertura, característico dos ambientes de trabalho, me toca. Mantenho o meu silêncio e não desembolso um real.

Quarto movimento: chega o e-mail sobre uma informação que você não estava sabendo e ainda com uma gíria, um português, que hummmm.... ai como me fere os ouvidos.... Uma palavra de introdução no mesmo nível de pedido imbecil a ser feito.

Gentem... como a maioria deve saber a Ci comprou um sítio em Petrópolis que ela tanto queria. Estamos pensando em fazer um ratatá e comprar um presente legal pro sítio. É surpresa hein!!!
O que vocês acham?
Bjs

Sítio? Que sítio? O silêncio tem que continuar. Felizmente dessa vez não chega mais um mail insistente para aborrecer os dois ou três que não participam da palhaçada e colocá-los em uma situação embaraçosa.

Quinto movimento: a horripilante palavra ratatá ganha uma nova versão. E os eventos continuam. Agora é aniversário de novo.

Oi povo!!! terça, dia 14/11, vamos fazer um churrasquinho aki pra comemorar o niver da Gi (11/11) e o da Ci (22/11). Pensamos em fazer uma rachucha para comprar os presentinhos. Nós podíamos estar roubando, podíamos estar matando, mas estamos aqui pedindo pra quem quiser e puder contribuir com R$ 10,00....
Também queremos sugestões de presentes!!!!
Ah, e nem precisamos avisar que é surpresa né!!!
Bjs

É muito carinho, é muita emoção, é muito companheirismo, é muita amizade neste meu trabalho. O ambiente caloroso mais parece um útero materno. Ou seria paterno, de acordo com a figura paternalista do capo, que pergunta pela vida amorosa de suas funcionárias, dá dicas sobre seus hábitos pessoais e faz todas rirem com seu humor meio sacana, meio sem-graça.

Em seis meses de trabalho: 23,50+quantia simbólica indefinida+15,00+20, ou 10,00 = aproximadamente 60 reais ou 70 reais.
Ando muito feliz aqui no meu trabalho.

Thursday, November 09, 2006

Na volta da viagem de trabalho

Agora. Neste momento. Não era necessária a viagem. Não era necessária a obrigação de acordar cedo. Não era necessária a certeza de que o velho capo grosseirão reclamará do meu trabalho amanhã. Para ele nunca é o suficiente. Para os chefes nada costuma ser o suficiente. A não ser que você lamba sua bunda com o silêncio nos esporros e o riso escancarado nas piadas que só para eles fazem sentido.
Mas tudo bem. Tenho me calejado. Me sinto forte quando me calo perante a insanidade dos esporros sem sentido. Os sapos engolidos se tornaram um sinal de fortalecimento, ao passo que cuspir em alto e bom som minhas opiniões nas relações de hierarquia estava me exaurindo. Muita exposição e nenhuma recompensa em qualquer plano. Consigo olhar de cima, mesmo engolindo o sapo.

Na viagem não deu para fazer tudo o que ele pensara e nem mesmo o que fora planejado. Cinco cidades em dois dias. Programas alternativos em cinco cidades em coisa dias. Guia dos programas alternativos de todo o estado em menos de um mês. Neste ritmo não vai dar, meu camarada. Eu já sei disso. Quando você se der conta dará um chilique, ou alguma de suas puxas-sacos o alertará, e você receberá a constatação com um pouco mais de racionalidade.
Eu tentarei ficar calada. Ainda sexta-feira de manhã e eu já fazendo estes exercícios de grande esforço. Obviamente está longe de ser a vida sonhada. Mas também longe de ser a vida aceita.
Não aceito. Continuarei inquieta enquanto tiver de ouvir o tom de voz alto e grosso do capo. Do alto de sua montanha de dinheiro, enquanto negocia, pelo telefone, na minha frente, cinco passagens para o fim de ano na Espanha e em Portugal. Enquanto tenta descontar das horas-extras do motorista o dia de recesso que deu para toda a empresa. Enquanto diz em alto e bom som que comprou um laptop por R$ 6 mil (sem saber o péssimo negócio que fez). Enquanto obriga o faxineiro a entrar às 7 e sair às 19hs. Isso formalmente, porque ele sempre sai mais tarde e vez por outra entra mais cedo. Enquanto obriga os funcionários a entrar às 8 e sair às 18, reclamando quando realmente saem às 18hs. E sem lhes dar uma hora de almoço, quando na verdade deveriam receber duas.
Não quero a indiferença em relação a isso. Que tenha sua montanha de dinheiro, mas que tenha integridade e educação no trato com as pessoas.
He´s the hand that bites and the hand that feeds. Tratamento paternalista com as 15 mulheres bonitinhas que lá trabalham, ioga e acupuntura para os empregados, mas trambiques nas relações trabalhistas, chiliques porque não se pode conversar sobre assuntos pessoais na hora de trabalho e dinâmicas de grupo comandadas por sua filha para integrar o ambiente.
Quem cai na sua esparrela o chama até por um apelido. É um senhor bonachão. Construiu um patrimônio. Ouve música boa. Mas não me esqueço das grosserias. Da generosidade de fachada. E do quanto ele machuca meus ouvidos ao falar para “mim fazer”, “estrupo”, entre outras pérolas.

Sunday, November 05, 2006

Início da semana

Cada vez pior. A noite de domingo é difícil porque as perspectivas para os próximos dias são ainda mais complicadas. Ficar no trabalho torna-se cada vez pior nas últimas semanas. Nove horas sentada na cadeira. O sono equivocado bate. Pessoas estranhas à volta e nenhum interlocutor plausível neste tempo. Sinto solidão. E esta é a maior parte do meu dia.
Não há mais as saídas da época da campanha, a distração de ver o movimento e cenas esdrúxulas na rua. Agora é computador full time queimando minhas retinas.
Enquanto isso, o dono da empresa continua enlouquecendo em seu papel de empregador “porco capitalista” (por que não?) e tocando o terror na sanidade do local.
Critica os empregados por conversarem durante o expediente. Presenciou duas conversas de cinco minutos em dias consecutivos e chamou para o esporro.
“Vocês estão destoando do resto da empresa. Fico condoído com o problema de saúde da mãe da funcionária, mas vocês não precisam falar disso durante o expediente. O pai da outra funcionária está com câncer de pulmão e nem por isso ser fala sobre o assunto em horário de trabalho”.
É o fim dos tempos. Delicadeza de sentimentos não existe mais nestes locais. Estou em busca de um autismo saudável nestas dez horas diárias.